Furei o cronograma: o feriado está quase aí e pretendo dar uma desligada para curtir o meu programa favorito de Carnaval: o pôr do sol na fronteira. Antecipei a news de hoje mas dia 20 já tem texto novo chegando para vocês!
Boa leitura, bom feriado e até logo!
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Cresci sem pular Carnaval. Meus pais geralmente organizavam as férias para esse período, então eu e meu irmão não tínhamos o hábito de jogar confetes e serpentinas. No lugar do glitter, das marchinhas e das fantasias, acampávamos no Uruguai. Tranquilo, pacífico, um outro país mas não tão longe de casa - Bagé, minha cidade natal, faz fronteira com a terra de Pepe Mujica, Jorge Drexler e das delícias da Conaprole.
Um Carnaval, entretanto, seria diferente. Desta vez, iria ao bailinho da minha cidade. Era fevereiro, eu tinha seis anos, faria sete em maio. Naquele dia, minha mãe chegou em casa um pouco antes do almoço com uma sacola recheada de fantasias coloridas. Bati o martelo pela de Odalisca, cheia de brilhos e em tons de azul e verde.
À tarde, o tédio das férias e sol escaldante me despertaram um desejo: andar de bicicleta na frente de casa. Não teria problema algum, se eu soubesse como. Na verdade, eu sabia, já havia até mesmo me libertado das rodinhas. O que eu pensava que sabia era fazer manobras radicais sobre duas rodas, tal qual meu irmão. Afinal, não seria uma habilidade genética? Minha mãe tentou alertar, pediu que eu não fosse e, como boa criança, eu desobedeci.
Próximo a minha casa, cuja rua era de chão batido, havia um morro. Eu e minha ingenuidade de seis anos decidimos pegar impulso naquele morro e descer em velocidade máxima. A liberdade, enfim.
Até que eu vi um carro.
O freio não funcionou.
Eu me assustei, claro.
E a bicicleta virou.
(Nunca havia feito rima sobre esse momento mas, pelo visto, sempre há espaço para poesia na vida, ou então uma marchinha de Carnaval.)
Não fui atropelada. O freio da bicicleta, no entanto, não funcionou bem como eu gostaria. A ansiedade e o medo já tinham tomado conta e, antes mesmo que o carro estivesse mais próximo, fui com tudo ao chão.
Não lembro de sentir dor, não lembro de sentir meu rosto batendo na terra seca, áspera, cheia de pedras soltas, só lembro de flashes da pediatra me pedindo para ficar imóvel. Eu não sei quanto tempo passou entre o tombo e ir para casa, mas já estava deitada na cama dos meus pais, de mãos dadas com a minha mãe, quando meu irmão entrou no quarto e disse:
— Agora fiquei com pena de ti.
Foi ali que eu percebi que a coisa tinha sido feia. Se meu próprio irmão não estava disposto a implicar comigo, só podia ter sido sério. Em resumo, meu rosto, joelhos e mão esquerda estavam detonados. A recomendação, pelo resto do verão, era zero sol e distância da piscina e do mar. O importante era cicatrizar bem.
Mas e o bailinho?
Pois fui.
Não com a fantasia de Odalisca, porque não podia usar a calça à lá Jasmine do Aladdin. Minha mãe deu um jeito de costurar umas lantejoulas numa blusa cheia de babados, me senti a própria Daniela Mercury cantando “a cor dessa cidade sou eeeeeeu”. A bermuda permitiu que os joelhos machucados continuassem respirando, e minha melhor amiga de infância garantiu o aval que eu precisava para não ter vergonha de sair de casa.
Carrego a cicatriz no rosto até hoje, a ponto de não lembrar como era sem. Algumas pessoas dizem que nem se nota, outras já me perguntaram apontando com o dedo “o que você fez aqui?”. A verdade é que não há dor na memória; lembro apenas da sensação de liberdade enquanto curtia a descida.
E de jogar confete no bailinho.
E do cuidado da minha mãe.
E da parceria da minha amiga.
De bicicletas não sou muito fã até hoje, mas o Carnaval segue vivo em mim.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
Desta vez, vou fazer diferente: vou pedir a vocês, queridos assinantes, que deixem nos comentários dicas de como preferem curtir o Carnaval. Com a galera no bloquinho? Na paz do campo? Na praia, com um livro na mão e uma caipirinha na outra? Me contem, vou adorar saber!
E só porque não sou de ferro, encerro com uma música que de carnavalesca não tem nada, mas embalou um dos melhores verões da minha vida:
Ouça > All I Wanna Do (Sheryl Crow).
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Guria lembro como se fosse hoje disso tudo! E da gente no recreio fugindo do sol. Só que agora me coloco no lugar da tua mãe! Heheheh Essas crianças!!! Afeeee Curte teu descanso merecido e o por do sol ao som do Jorgito.
Quando vi o título, imaginei qual seria a história. A cicatriz te incomodava no início, mas agora faz sentido: cicatriz da liberdade e aventuras! Pra nunca esquecer esses sentimentos ❤️