O dia havia chegado. Eu e Tiago finalmente embarcaríamos na viagem planejada para 2020, cancelada pela pandemia e que acabou se tornando nossa lua de mel. O destino era Londres, alguns meses antes da posse do Rei Charles III.
Quando compramos as passagens, tínhamos requisitos inegociáveis: voo direto, viagem de ponta a ponta (ida e volta por Londres), tempo para pegar as malas na volta em São Paulo, sem correria. Sairíamos de Porto Alegre, onde moramos, fazendo escala em Guarulhos, próximo à capital paulista, e finalmente desembarcando no aeroporto de Heathrow, já em solo britânico. Passagens garantidas, era só aguardar a data marcada.
No dia da viagem, a caminho do aeroporto Salgado Filho, tudo ia conforme programado: malas dentro do limite de peso, passaportes em dia e voos sem sinal de atraso. Fomos direto aos totens da companhia aérea para imprimir as etiquetas de identificação das bagagens. Tão logo foi emitida a primeira, li “CGH” no mesmo instante. Ué, Congonhas? Mas nós compramos as passagens direto por Guarulhos. Não compramos?
Não.
Verificamos os e-mails, nossa falta de atenção estava comprovada: não havíamos comprado o primeiro trecho por Guarulhos. Por conta disso, também não poderíamos despachar as malas de Porto Alegre direto para o destino final, como esperávamos.
A moça no totem explicou que isso acontecia com frequência. “Entre idas e vindas nas pesquisas de passagem, algo costuma ficar pelo caminho”, ela disse, tentando nos consolar. Perguntamos se era possível trocar a passagem por algum voo que fosse direto a Guarulhos naquela mesma tarde, mas o custo tornou essa opção inviável.
Nosso desânimo era visível, não havia ninguém para culpar a não ser nós mesmos. O único alívio era saber que tínhamos bastante intervalo de tempo entre voos (uma dica válida, por sinal), o que garantiria o deslocamento entre aeroportos. Mas tinha um porém, claro.
Chovia cântaros em São Paulo.
Pesquisamos sobre o trânsito e o tempo que o trajeto Congonhas » Guarulhos poderia levar, mas as previsões não pareciam otimistas. Antes de irmos ao balcão para despachar as malas, a moça no totem sugeriu que pedíssemos etiquetas de prioridade, isso nos ajudaria a ganhar tempo na esteira das bagagens no primeiro aeroporto.
Chegamos no balcão, apresentamos os passaportes à atendente e pedimos as tais etiquetas.
— Mas qual o destino final de vocês?
— Londres. - respondemos desanimados.
— Ué, mas…Congonhas antes? Por que irão por lá?
— Então, moça…a gente cometeu um erro. Tínhamos certeza que a passagem dizia Guarulhos, mas nos enganamos. Enfim… - expliquei, envergonhada.
Elas nos olhou com atenção, e disse:
— Tirem as etiquetas discretamente, vou tentar encaixar vocês no voo que sai daqui para Guarulhos. Sem alarde, ok?
Tive vontade de dar um salto duplo twist carpado, à la Daiane dos Santos, mas segurei a empolgação e removi as etiquetas com a discrição de um membro da realeza britânica.
— Moça, consegue mesmo? Jura?
— Aham. Só confirmem aqui - e falou nossos nomes e números de passaporte com cuidado.
— Mas…e o outro voo? Não vão ficar nos chamando para sempre, atrasando o embarque?
— Vocês não existem mais no outro voo, vamos despachar as malas agora. Peguem em Londres, ok?
— Nós não temos como te agradecer! É nossa viagem de lua de mel!
— Jura??? Ah, então deixa eu dar um abraço em vocês, fiquei ainda mais feliz por ter ajudado.
O nome dela era Cristiane. Fiquei pensando sobre como ela não tinha obrigação alguma de nos ajudar, mas o fez simplesmente porque estava ao seu alcance. Não é sempre que nos deparamos com um bom samaritano nos imprevistos da vida.
Geralmente dá tudo tão errado que, na melhor das hipóteses, rende uma participação no programa do Porchat (a semana começou com o pé esquerdo? recomendo fortemente que você clique neste link).
Mas aquele dia, graças à Cristiane, deu certo.
Uma pequena mas impagável gentileza. Por que tão raras?
Antes de entrarmos na sala de embarque, fui à loja de chocolates e comprei um pacote de trufas, era o mínimo que eu podia fazer para agradecê-la.
Seguimos viagem. Nossa lua de mel finalmente ia começar.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
PARA ASSISTIR e se apaixonar por Londres (e se não gostar da cidade, vai gostar da história e do elenco, eu garanto!) > O Discurso do Rei.
PARA SEGUIR e manter vivo o espírito viajante > Falando em Viagem ✈️ Nai Diniz.
PS - A news de hoje quebra um pouco o combinado quinzenal que fiz com vocês aqui, mas é por um bom motivo. Retorno com a programação normal dia 03/10 :)
PS 2 - Errei, erramos: para quem recebeu o e-mail original dizendo que o aeroporto de Guarulhos fica na capital paulista, peço desculpas. O aeroporto de Guarulhos de fato fica no estado de São Paulo, mas na cidade de Guarulhos, não na capital. Como bem lembrou meu irmão, é a terra dos Mamonas Assassinas, para sempre um dos top 10 grupos dos anos 1990.
Eu sou apaixonada por pessoas sensíveis a ponto de se importarem com as outras. Principalmente aquelas que na medida do possível resolvem questões como essas. Vivaaaa! Aproveitem ❤️