Entrei na maternidade do hospital para conhecer meu mais novo primo irmão. No quarto, segurando aquela pequena vida nos braços, minha tia fez a seguinte pergunta:
— Quer um afilhadinho?
Saí de lá com uma missão: seria mais do que prima, seria dinda. Dizem que o nome oficial é madrinha, mas eu gosto mesmo é de dinda. Eu tinha 15 anos.
Nos primeiros meses, acho que cuidei mais de minha tia que do pequeno. Levar um copo d’água, abrir a porta para as visitas, descascar uma maçã. Coisas mínimas, mas para uma mãe em adaptação podem ser uma espécie de benção.
Com o tempo, confirmei que mães são über seres humanos (se a expressão existe, eu não sei, mas achei que cabia) com espaço privilegiado no céu - ou qualquer outro plano que exista.
Ser madrinha do Tiago certamente me ajudou a entender melhor a minha mãe. Sobretudo, os nãos que ela precisou me dar.
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Certa vez, ele queria faltar à aula porque não encontrava um álbum de figurinhas. Fosse minha mãe, sempre sutil como a saudosa Hermínia (falei sobre isso aqui), a resposta teria sido um curto e seco “não”. Acredito que eu tenha dado um passo além e fiz (um pouco) melhor: me ajoelhei na altura dele e conversei. Validei o que ele estava sentindo, disse que sabia que o álbum era importante, mas que ele não podia faltar por isso. “Eu prometo que nada ruim vai acontecer”, emendei. Levei a criança mais emburrada do mundo para a escola, mas levei.
Essa era uma época em que o Tiago funcionava integralmente sob 220V. Às vezes, eu tinha a impressão de que ele simplesmente não dormia. No meu último verão antes da faculdade, a família alugou uma casa na praia. Uma noite, devia ser quase uma da manhã, meu pequeno e agitado afilhado fez um convite:
— Dinda, vamos bater um papo?
— Tenho uma ideia melhor. Vamos contar carneirinhos?
— Como faz isso?
— A gente pensa nos carneirinhos e vai contando: 1, 2, 3….
O silêncio não demorou a vir. Quando eu estava prestes a me dar um tapinha nas costas pela genialidade da ideia, ouvi bem baixinho:
— Dinda, que número tu tá?
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Especialmente aos sábados, o Tiago gostava de ir na sacada às seis da manhã e gritar aos moradores das torres vizinhas “bom dia, pussual!”. Do tempo em que falava meio errado meio certo, lembro dele pedir pelo “u” quando queria o paninho de dormir, a tal naninha. Lembro também de quando contei que o John Lennon não era um dos Jonas Brothers e do dia em que descobrimos que os dois gostavam de Coldplay. Lembro, sobretudo, dele chamar “dinda!” e correr pra me dar um abraço quando o buscava na escolinha.
O tempo passa numa velocidade incompreensível até mesmo pelas almas mais ansiosas, como a minha.
Hoje, ele é um jovem homem de 22 anos, está na faculdade e tem uma namorada (sim, doeu para escrever isso, eu assumo). Vê-lo crescer e ganhar o mundo é um combo de felicidade e orgulho. No lado esquerdo do peito, contudo, guardo a lembrança de um pequeno ser tentando abrir minhas pálpebras com os dedinhos, cedo pela manhã, dizendo “acorda dinda, já é um pouquinho de dia”.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
Em homenagem ao protagonista de hoje, indico uma trilogia que acompanhamos juntos no cinema. Não apenas é boa como recentemente foi lançado mais um filme, e que tem entre as personagens uma das minhas atrizes favoritas: Viola Davis.
Assista > Jogos Vorazes
Ouça > Ink > Coldplay
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❤️❤️❤️
"— Dinda, que número tu tá?"
Rindo até o ano que vem 😂