Abro a geladeira, nada. Olho pela janela, nada. Faço carinho nos cachorros, fico feliz, mas… cadê? Nada de inspiração. Para quem ama escrever (e busca viver disso), a sensação de não saber sobre o quê escrever é como uma pequena crise de pânico. Se não consigo escrever, qual o sentido da vida, afinal?
Só me resta o desespero do Larry David.
Dramas levemente exagerados à parte, quando não me sinto inspirada, evito sofrer, ao menos na primeira hora. À medida que o prazo corre, alguns momentos de suor frio intercalam com a respiração ofegante. Eu deveria retomar a yoga. Talvez mês que vem. Melhor depois do Carnaval. Socorro.
Taurina que sou, abro a geladeira novamente, mas estranhamente não tenho fome. Converso com os cachorros na ilusão (ou esperança?) de vê-los responder. Pensando bem, eles respondem – da maneira que podem, claro. Geralmente a Chloé vem com uma bolinha pra me distrair. Já o Tobias fica enroladinho na poltrona, como se me convidasse a fazer o mesmo. Sua calma parece dizer: relaxa.
Volto pro computador. Nada. O prazo corre. E agora, José? Ligo pro meu pai, que de fato se chama José, e aproveito para resolver assuntos burocráticos e de trabalho, já que ele é de Capricórnio. Mais uma vez, abro a geladeira. Opa! Acho que escutei uma voz. Nada de fantasmas, apenas uma lembrança vem à mente.
— Isso se chama bloqueio. Quando acontece, penso em tudo, menos escrever.
Quem me disse essa frase foi o escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937 - 2011), quando eu era uma jovem estudante de cursinho pré-vestibular. Ele havia sido convidado para uma palestra e, ao término, poderíamos nos aproximar e fazer algumas perguntas. Fui direto ao ponto: queria saber como um dos membros da Academia Brasileira de Letras lidava com os momentos difíceis (na escrita, ao menos). Ele havia de tê-los, ainda que fosse imortal.
Recebi a resposta sobre o bloqueio com a serenidade de quem dorme bem e não precisa acionar José algum. Ele sabia o que fazer. Eu que preciso aprender. Antes dele sair, pedi licença para fazer só mais uma perguntinha:
— E no caso de o senhor não estar inspirado para uma de suas crônicas semanais?
Novamente, a voz serena, agora no tom de quem paga os boletos em dia:
— Ah, mas aí é um compromisso com o jornal. Eu tenho um prazo a cumprir.
Volto para 2024, olho para o relógio: o tempo ruge e a Sapucaí é grande, diria o saudoso Giovanni Improtta. Achei por bem registrar essa história, para não esquecer o diálogo e lembrar a lição. Passo um café fresco, abasteço a xícara, sento em frente ao computador. Escrevo, programo a newsletter e cumpro o prazo, como bem faria o imortal Moacyr.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
O texto de hoje nasceu de um momento sem inspiração, mas encerro indicando um filme que considero muito inspirador. Roteiro sensível, bonito, com elenco que dispensa explicações. Talvez até vire crônica por aqui. Enquanto essa resenha não nasce, fiquem com o trailer.
Assista > Os Rejeitados (The Holdovers, 2023)
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Amei!
Adorei a recomendação do filme.