Espinha ereta
Eu costumava achar que planejamento e organização eram suficientes para driblar possíveis imprevistos. Ledo engano.
No excelente “Medianeras”, filme argentino de 2011, há uma cena que está entre minhas favoritas – e dificilmente será um spoiler para quem não assistiu. Sentada no chão e encostada na parede, aos prantos, a protagonista ouve o vizinho tocar piano. A música é mesmo digna de lágrimas (felizes e tristes): Tristesse, composta por Frédéric Chopin em 1832.
O piano fez parte da minha vida por um bom tempo, dos 6 aos 14 anos. Em algum momento, aprendi a tocar Tristesse. Lembro de dizer à professora que não queria esquecer essa música, mesmo se algum dia parasse de tocar piano – o que de fato fiz. Não apenas esqueci como tocar Tristesse mas também não saberia retomar tantas outras músicas e melodias que ela pacientemente me ensinou.
Tocar piano é algo que faz parte do meu passado, mas o piano em si é algo que sempre lembro no começo de ano. É um instrumento de presença, difícil de não ser notado. Ao contrário do violão, não cabe atrás da porta e também não pode ser levado até a praia para um fim de tarde com a galera sentada na areia, cantando em roda. Para ser tocado, o piano exige uma certa postura.
E é aí onde quero chegar.
O início de ano é aquele período em que pouco se sabe sobre o que realmente virá, ainda que tenhamos renovado as esperanças. Eu costumava achar que planejamento e organização eram suficientes para driblar possíveis imprevistos. Ledo engano. O que salva mesmo é a espinha ereta - a mesma necessária para tocar piano.
Busco manter a espinha ereta sobretudo às segundas-feiras, quando o dia parece ter 48h depois de um domingo de apenas 24h. Fico atenta à postura na longa reunião que poderia ter sido um e-mail. Ajusto a coluna quando sinto que estou prestes a falar mais do que o necessário ou quando prevejo dias difíceis à frente; a postura firme ajudará a atravessar a turbulência.
Se o piano pudesse falar, certamente diria a quem senta no modesto banco à sua frente: confiança. E antes de pousar os dedos sobre as teclas e emitir os primeiros sons, o imponente instrumento ainda lembraria: leveza.
É muito cedo para sabermos quais notas irão compor a melodia de 2024. Gosto de pensar que será bonita, alegre, mesmo que alguns momentos carreguem um quê de tristesse. Faz parte. Ninguém é perfeito, nem mesmo o ano novo.
Confiança e leveza, em frente.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
Não poderia encerrar o texto de hoje sem apresentar as referências que abrem o texto. Apesar do nome lembrar tristeza, considero a composição de Chopin uma inspiração. Em todo caso, sugiro aqui outra música, mais moderna e mais recente, mas igualmente inspiradora, já que um dos trechos diz: confidence is crucial.
Ouça > Tristesse e Mantras (Ellen Winter)
Assista > Medianeras
MUITO OBRIGADA a todos que assinam, leem, comentam, curtem ou compartilham esta newsletter. O apoio de cada um, cada uma, é fundamental para seguir em frente.
Luísa, que bom que nos encontramos. Esse é o primeiro texto que li seu e gostei de como você uniu o tocar piano com a nossa postura perante a esse novo ano que se inicia! Seguimos trocando por aqui, com muita leveza, confiança e espinha ereta :)
Oi! Uma amiga me indicou tua escrita e vim conhecer. Gostei demais deste texto: confiança e leveza :)