Felicidade açucarada
Meu sonho é ser questionada no consultório médico se tenho ingerido minha dose diária de paçoquinha.
Quem me conhece sabe: eu amo doces. Se me perguntam “entre açúcar e sal, qual você pref…” eu nem dou tempo de concluir. Bombons, mousse de chocolate, cookies, brownies, sorvete com calda, brigadeiro de panela (minha especialidade). Meu sonho é ser questionada no consultório médico se tenho ingerido minha dose diária de paçoquinha, aquela que precisa ser apreciada estrategicamente após o almoço, com um cafezinho para acompanhar.
Quando criança, eventualmente almoçava fora com meus avós paternos. O buffet do restaurante era sempre excelente; a mesa de sobremesas, nem se fala. Eu era o álibi do meu avô, formiga taurina como eu, para verificar os doces antes mesmo de escolhermos o salgado. Dependendo das opções, nossa dedicação ao prato principal seria uma estratégia mais limitada.
— Tem torta de morango, mousse de chocolate, delícia de coco e torta de bolacha. E sagu, mas não sei o porquê.
— Certo, entendido. - ele respondia, com o olhar de quem já elaborava as combinações possíveis.
Meu olhar criterioso de profissional mirim achava que a enorme travessa com aquele espesso molho de bolinhas roxas não era digna de ocupar o mesmo espaço que uma mousse de chocolate. É como considerar fruta sobremesa. Uma audácia, honestamente.
Dia desses, enquanto perdia algum tempo em alguma rede social, me deparei com um vídeo de um homem intitulado “doutor”, porém sem acusar a especialidade. Ele explicava as vantagens de parar de consumir açúcar por quatro semanas, com foco especial no público feminino (afinal, que mulher não iria amar essas dicas?). Ao fim, ele elenca os benefícios: melhorias no peso - citado em 1º lugar, claro - na pele e no humor, o qual ele usa para encerrar com chave de ouro: “seu parceiro vai agradecer”. Na legenda, mais um alerta: o açúcar não fará falta ao organismo, exceto pelo prazer.
Num mundo pseudo-pós-pandêmico, violento, de chuvas torrenciais e incêndios devastadores, há de se ter a liberdade de saborear um brigadeiro, um pudim…quem sabe uma fatia de torta? Melhor ainda se for daquelas bem chocolatudas, capazes de adocicar qualquer dia azedo. Reforço, claro, a importância de cuidarmos da saúde como um todo. No mais, torço para que o algoritmo lhe poupe de assistir a (mais) um vídeo em que um homem (ainda) comete o absurdo de dizer às mulheres o que elas devem ou não comer, mesmo que isso lhes custe o próprio prazer.
Uma mensagem chega no meu celular, o mundo real me chama. Era minha sogra com um convite especial: “Tem quindim aqui pra ti”.
Pedi para me aguardar com um cafezinho, é claro.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
PARA OUVIR: Não é proibido > Marisa Monte
PARA LER: Falso Espelho - Reflexões sobre a autoilusão > Jia Tolentino (Todavia). Um livro especial, recheado de ensaios sobre as contradições do nosso tempo.
Adorei! Afinal, dá pra ser saudável comendo bolo, paçoquinha e outra delícias, sim =)
Um texto ótimo para acompanhar um café com bolo 😋 Aquele caseiro de laranja com calda.