Jogo de cabeça
O tênis entrou na minha vida sem pedir licença. Veio junto com meu irmão, que é três anos mais velho que eu. Desde que eu consigo lembrar, eles já eram carne e unha.
Eu nunca gostei muito desse esporte. Achava as partidas silenciosamente demoradas. A pontuação, então, nem se fala. Começa em 15, mas o ponto no placar é só depois de 40. O desgosto pela matemática - que já era um desafio na minha vida - só foi potencializado pelo quicar da bola. Meu irmão, por outro lado, respirava tênis. Gostar era pouco. Na casa dos meus pais, as prateleiras do quarto que foi dele ainda sustentam incontáveis medalhas e troféus. O guri era bom mesmo.
Mas aí meu irmão cresceu e acabou escolhendo outros rumos na vida. Adivinhe? Pois é, quem me acompanha por aqui já deve ter desconfiado. A questão é que quando eu finalmente comecei a tomar gosto pelas quadras de saibro (há outros tipos, como grama e concreto, mas eu prefiro saibro) ele já havia trocado as raquetes pelo jaleco.
Na faculdade, participei de uma longa seleção para um estágio na principal empresa de Comunicação do Rio Grande do Sul. Para chegar na entrevista final, era necessário passar por etapas eliminatórias que incluíam testes de português, inglês e pavorosas dinâmicas em grupo. Numa delas, precisávamos escolher uma imagem que representasse algo especial na vida de cada um, explicar o porquê e fazer uma relação com o Jornalismo. Lembro até hoje da velocidade com que os demais candidatos se jogaram sobre as fotos espalhadas no chão, de modo que havia poucas opções quando finalmente pude escolher. Eu precisava ser rápida e escolhi quase sem pensar: um anúncio cujo garoto-propaganda era um jogador de tênis.
Passada a euforia, cada um refletia sobre a história a contar quando eu entrei em pânico: dizer o quê? Eu nem gosto de tênis! Tanto esforço pra conseguir uma vaga e agora eu vou rodar porque só consigo pensar nas raquetes fedidas e imundas de saibro que meu irmão largava em cima das minhas bonecas. Céus.
Para meu espanto, quando chegou minha vez de falar, algo um tanto fantástico aconteceu: à minha frente, visualizei uma estrada aberta. A única opção era seguir. Dei o primeiro passo falando sobre meu irmão ter jogado tênis durante boa parte da sua infância e adolescência. Continuei a caminhada contando que ele era muito bom mesmo, que tinha sido um grande campeão e tudo o mais, e que havia me ensinado que tênis era um esporte bonito, porque era um jogo de cabeça - aliás, não à toa se jogava em silêncio. A jornada se aproximava do fim, mas eu ainda precisava fazer uma conexão com a Luísa estudante de Jornalismo em busca de uma vaga de estágio.
Avisei aos presentes que precisava fazer uma confissão: ao contrário do meu irmão, eu não entendia nada do esporte, mas sabia que uma redação de jornal, TV ou rádio eram lugares barulhentos, não era possível silenciá-los. Por isso, era necessário ter a cabeça forte, assim como os tenistas, para não se deixar levar pelo excesso de diálogos internos informação. Concentração, afinal, era primordial para construir uma trajetória sólida no tênis. Para apurar os fatos e atuar como porta-voz de tantas histórias, também.
A estrada havia chegado ao fim. Coloquei a foto junto às demais e recebi meu troféu: fui chamada para a entrevista final.
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No último domingo (13), o jovem Jannik Sinner venceu o Torneio de Wimbledon. Aos 23 anos, o italiano falou sobre aquele momento ser o “sonho de um sonho”. Foi bonito. No entanto, enquanto ele discursava, eu não conseguia parar de olhar para a sua cabeleira ruiva e pensar no meu irmão, que também é ruivo e casualmente está de aniversário hoje, 15 de julho. Esse texto é dedicado a ele.
Para seguir a semana…
Neste julho, esteja você em férias ou não, no inverno ou no verão, a dica de hoje é se abastecer com algumas leituras:
A febre tenística da .
Os sonhos cheios de mensagens da .
Gostei de ver o enredo que vc criou para a dinâmica de grupo. Dificilmente eu sou boa em improvisar 🥹. Teria perdido a vaga! Rsrsrsrsrs
Quem nunca precisou inventar uma resposta inteligente numa pavorosa dinâmica de grupo, né? A tua foi muito boa. :)