NYC (parte II)
A coisa melhor da vida é ter irmãs. Não há ninguém que as substitua (Clarice Lispector).
Na minha última crônica, comentei que passaria uns dias em Nova York. Para além das férias desejadas, a viagem era ansiosamente aguardada por um motivo específico. Antes de contar, eu preciso dizer: existe alguma coisa na amizade feminina que vai além da minha capacidade de explicação.
De acordo com uma das minhas melhores amigas, as mulheres têm mais coragem em mostrar suas vulnerabilidades. Ela tem razão nesse ponto, mas eu acho que tem algo a mais e que, sim, só mulheres são capazes de compreender.
Quando levanto a bandeira da sororidade, gosto de lembrar que não estou dizendo para todas nos amarmos incondicionalmente. A Clara Averbuck bem lembrou no último 8M: apoiemos umas às outras, mas não use gênero para determinar caráter. Mesmo assim, lamento que muitas mulheres passem uma vida inteira sem saber o valor inestimável de ter amigas de verdade, aquelas poucas com quem contamos nos bons e nos maus momentos (sobretudo nos maus).
Ansiedade nas férias
Quando tenho a oportunidade de viajar, uma das coisas que mais gosto é perder a noção de tempo, sair da rotina em todos os aspectos. Numa cidade como NYC, isso não é muito difícil. Desta vez, no entanto, eu tinha pressa pela sexta-feira, e o Tiago e eu aterrissamos na terça.
Entre milhares de quilômetros caminhados, cafés ridiculamente quentes e cookies gigantes, sexta-feira chegou. Eu precisava estar às 11h da manhã na Bethesda Fountain, uns dos pontos mais icônicos do Central Park.
Era ali que eu encontraria minhas duas melhores amigas de infância ao mesmo tempo, algo que não ocorria desde 2015. Eu via apenas uma ou outra, nunca mais estivemos as três juntas, como foi durante boa parte da nossa infância e adolescência.
O que aconteceu para ficarmos quase uma década sem estarmos as três no mesmo fuso? Simplesmente a vida. Nove anos antes, numa sexta qualquer em Porto Alegre, a Pati tinha poucos meses de casada, eu tinha terminado um namoro e a Elisa vivia uma fase de tapas e beijos com a vida no Rio de Janeiro. Nem em sonho pensaríamos que aquele seria nosso último encontro presencial.
De lá pra cá, o mundo deu algumas voltas. Pati e Elisa foram de mala e cuia para a terra do tio Sam - a primeira para a Flórida, a segunda para Nova York. Eu fiquei em Porto Alegre mesmo. Como diria minha mãe, se alguém perder o rumo de casa, basta me encontrar.
A linha de apoio (frase logo abaixo do título) de hoje pertence ao livro Minhas Queridas, da Clarice Lispector, obra citada em outra crônica minha. São anos de cartas escritas por ela e enviadas às irmãs Elisa e Tânia. Confidências, saudades e puxões de orelha: está tudo ali. Biologicamente, eu só tenho um irmão mais velho, mas a Pati e a Elisa me presentearam com o sentimento de ter irmãs. Eu mesma já falei aqui que sangue não é água, mas, às vezes, sangue é só sangue. O que vale é a conexão.
Claro que eu e as gurias temos nossas diferenças. Além disso, a vida exigiu de cada uma tipos diferentes de força, mas, naquela sexta-feira, tudo o que importava era o nosso reencontro. Lembro de acompanhar a previsão do tempo: chuva ininterrupta no sábado. Sexta, não. Sexta era de sol. E assim foi.
Mudaram as estações, nada mudou
Cumprindo o nosso combinado, o relógio deu 11h e caminhei em direção à fonte, sabendo que as duas já estavam lá. Estiquei o pescoço tentando driblar as pessoas à frente, até que as enxerguei. Meus olhos não mentiam. Corri para o abraço.
Ficamos dois dias caminhando pelas ruas e avenidas lotadas de Nova York, seguimos as indicações da Elisa - agora uma local - para as refeições e tiramos inúmeras fotos. E falamos. Muito. Sobre tudo.
Quando tínhamos doze anos, revezávamos as junções - o que os jovens hoje chamam de dormidão - às sextas-feiras. Ou na minha casa, ou na da Pati ou na da Elisa. Os pais garantiam a pizza e o refri e nós garantíamos a energia para tagarelar madrugada adentro.
O Central Park é um pouco maior que os nossos quartos, mas a sexta acabou em pizza, como nos velhos tempos. No sábado, papeamos a vida no bar de um dos inúmeros rooftops de Manhattan, com vista para o Empire State Building. Em vez do refri, alguns drinks e cervejas. Só vimos que era tarde porque o bar acendeu a luz. Era hora de ir embora, mas não nos demos tchau. Essa palavra nunca coube entre nós.
Num piscar de olhos, era novamente sexta e eu já estava de volta ao Brasil, ainda processando a viagem, quando recebi uma mensagem da Elisa perguntando como que já fazia uma semana do nosso encontro. Eu também não sabia responder, mas pedi que ficássemos atentas para não deixarmos passar outros nove anos.
Do amanhã, ninguém sabe. Não marcamos data, mas lembramos: em 2026, celebraremos nossos aniversários de 40 anos.
Antes de encerrar, uma perguntinha
Você tirou a sorte grande de ter amigas de verdade? Se a sua resposta foi sim, fica então um pedido: escreva para essa amiga, ou amigas. Se preferir, telefone. Não precisa ser textão nem vídeo declarado nas redes sociais. Algo só entre vocês, um honesto e sempre bem-vindo obrigada.
Para avançar na semana
Uma música, um filme, um podcast…uma dica, enfim, para deixar o dia melhor:
Dois filmes cujo tema central é a amizade entre mulheres. Roteiros super leves, mas com boas mensagens. Podem não ser filme de Oscar, mas ambos tiveram continuação.
Assista > Muita calma nessa hora e Quatro amigas e um jeans viajante
Li pensando nas minhas besties, me emocionei demais 🩷 Que bom que saiu um reencontro de vcs!
Lindo, lindo! Fiquei emocionada.